terça-feira, 3 de abril de 2012

Lágrimas do engano (Diego Rui)


Lágrimas do Engano - Um texto para a Páscoa


Em março de 2004, salas de cinemas do mundo inteiro foram invadidas por multidões ansiosas para assistir o filme que, segundo diziam, era a mais perfeita representação das horas que antecederam a crucificação de Jesus.
 Sim,  “A Paixão de Cristo”, dirigida por Mel Gibson, causou um verdadeiro reboliço em todos os lugares onde foi exibida. Os noticiários publicavam diariamente notícias de pessoas sofrendo ataques cardíacos nas salas, chorando ao ponto de sentirem-se mal, entre outras notícias, digamos, bizarras . Apesar de toda comoção, o filme foi sucesso absoluto de bilheteria, sucesso esse devido, em grande parte, aos cristãos. De fato, a produção teve grande apoio dos cristãos de toda parte. Líderes cristãos proeminentes aclamavam o filme como capaz de converter multidões em apenas duas horas, e que a exibição do mesmo arrancaria emoções do coração mais indiferente e faria cair de joelho até mesmo o homem mais endurecido.


Lembro-me bem da época do lançamento do filme. Todas as pessoas que eu conhecia e que o assistiam faziam uma propaganda, no mínimo, apaixonada. Todas me diziam que era impossível não chorar. Todas, invariavelmente. E para fomentar ainda mais vontade e/ou necessidade de assisti-lo, um amigo me disse em tom enfático: “se você não chorar assistindo esse filme, não é um cristão autêntico”. Logo, assim que tive a oportunidade, fui com alguns amigos assistir a famigerada produção, em parte para ver o fenômeno cinematográfico, e em parte também para provar a mim mesmo que eu era o tal cristão autêntico idealizado por meu amigo. E, ao entrar na sala do cinema, minha mente repetia uma obrigação que eu me havia imposto: “preciso chorar, preciso chorar...por favor, Diego, não seja insensível”.


No decorrer do filme tentei por várias vezes forjar a emoção necessária para trazer lágrimas aos meus olhos. Após algumas tentativas, finalmente consegui. Ainda me lembro a cena em que isso aconteceu.  Assim que uma tímida lágrima formou o primeiro sulco no meu rosto, senti-me realizado. Uma sensação de dever cumprido tomou conta de mim. Afinal, eu estava livre de ser contado entre os insensíveis que não esboçaram nenhuma emoção ao ver o Cristo sendo espancado. Agora eu podia ser considerado um cristão autêntico.

Saí da sala de cinema sentindo que algo havia mudado em meu interior. As imagens da paixão de Cristo, vívidas na minha lembrança, me asseguravam de que meu futuro seria devoto ao Homem que tanto sofreu. Porém, com o passar do tempo, as fortes impressões causadas pelo filme em minha mente foram sumindo, e com elas todo fervor espiritual. A vida interior evaporava na mesma velocidade que as lembranças dos açoites, dos cravos, da cruz.


Comecei a me perguntar o que estava acontecendo. Porque eu não tinha mais o mesmo desejo de me aproximar de Deus? Não fui eu um dos que chorou copiosamente ao vê-lO sofrer? Vi-me obrigado a iniciar um processo de investigação da minha alma, questionando minha motivações, minha lágrimas. E percebi algo que me abriu os olhos.


Percebi que minha emoção foi causada pelo motivo errado. Não era a mensagem de Jesus que me levou ao pranto, mas apenas o seu sofrimento físico. Vi que o filme, apesar de ter muita emoção, tem pouco significado. Tem muita força, mas pouca essência. Causa muitas lágrimas, mas pouco sentimento. Em suma: tem muita crucificação, mas pouca Cruz. Entendi que ver o sofrimento físico de Jesus em nada me aproximou de entender o motivo que o levou a suportá-lo. Por isso minhas lágrimas não tiveram o poder transformador que eu pensei que possuíam.


Chorei por dó, por compaixão. Quem, em sã consciência, veria um semelhante sofrendo tamanha tortura e não se compadeceria? Meu choro era fruto da compaixão humana inata a todos os homens, enquanto deveria ser causado pela compreensão de que Ele, o Cristo, o Filho de Deus, foi torturado e morto por minha causa. Entendi que enquanto chorava, enganava a mim mesmo. Pensava estar chorando as lágrimas da conversão, mas na verdade estava chorando as lágrimas do engano.


Quantos não fizeram exatamente a mesma coisa que eu? Quantos não tentaram, através de suas lágrimas, provar para si mesmos que seus corações não eram tão maus quantos eles sabiam que eram?  E quantos ainda não tentam enganar a si mesmos e a Deus de que são boas pessoas, pois ainda são capazes de se emocionar com a teatralização da morte do Cristo? Se aproxima a Páscoa, e com ela, uma verdadeira enxurrada de filmes, teatros, musicais e todo tipo de arte sobre a Paixão de Cristo. E muitos verão, chorarão e se emocionarão o suficiente para enxugarem os olhos e dormirem tranquilos, com os corações emocionados, mas ainda sujos.


Que nessa Páscoa você faça uma análise criteriosa de seu coração, e permita que ele seja tocado, não pela emoção passageira de assistir o sofrimento físico de Jesus, mas pela verdade de que Ele sofreu o seu castigo, para que você tenha paz. Que as lágrimas do engano sejam enxutas do nosso rosto pelo lenço do Evangelho, que liberta de todo engano e limpa todo coração que assim deseja.

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